Cascais começou em 2016 o sexto ano do OP, tendo obtido um elevado sucesso desde a primeira edição. Os bons resultados têm sido interpretados como um produto do design, da capacidade de mobilização dos participantes, e da credibilização do processo junto à opinião pública.
Problems and Purpose
O Orçamento Participativo (OP) tem sido um instrumento capaz de confiar aos cidadãos as decisões referentes a como gastar uma parte do orçamento municipal, em que as autoridades locais “concedem” a abertura aos cidadãos de uma porção dos recursos locais, para dar indicações, codecidir ou até coplanear em detalhe os investimentos e/ou a estruturação de políticas públicas (Allegretti et al, 2016). Vale ressaltar que praticamente todos os orçamentos participativos que surgiram na Europa, na última década, têm uma origem top-down, tendo sido promovidos por administradores ou, em casos mais raros, por funcionários e dirigentes técnicos interessados em estabelecer novas alianças e parcerias entre instituições de proximidade e os cidadãos. O interesse das instituições locais europeias para com a experimentação do orçamento participativo começou em 2002. Na maioria dos países, o modelo de referência foi encontrado nas iniciativas brasileiras da década de 1990, sendo a cidade de Porto Alegre o caso mais referenciado (Allegretti et al, 2016).
Em específico, o OP de Cascais (a quinta maior cidade de Portugal composta por 206 000 habitantes) aconteceu dentro do abrigo do projeto Orçamento Participativo Portugal, contando com uma maioria de experiências codecisórias que propõem outras formas de definição de políticas públicas para o município. Cascais começou em Abril de 2016 o sexto ano do processo, tendo obtido um elevado sucesso desde a primeira edição (2010). Os bons resultados têm sido interpretados pela Prefeitura de Cascais como um produto do design do orçamento participativo, da capacidade de mobilização dos participantes e da credibilização do processo junto à opinião pública, bem como da estratégia adoptada para a inserção do orçamento participativo no interior da estrutura orgânica dos serviços municipais.
Background History and Context
O município de Cascais, em 2008, era governado por uma coligação formada pelo Partido Social Democrata e pelo Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), dirigida por António Capucho, que seria reeleito, sob a mesma liderança, nas eleições de outubro de 2009. No caso de Cascais, a ideia do orçamento participativo foi alimentada pelo então vice-prefeito Carlos Carreiras. Em específico, o orçamento participativo era encarado como um “completamento” das políticas de programação territorial, por meio da introdução de uma dimensão de diálogo sobre a componente orçamental, capaz de aprofundar as dinâmicas participativas em curso e reforçar a legitimidade desses processos.
No caso de Cascais, a construção de um percurso de orçamento participativo não era visualizada como uma oportunidade para constituir desde zero uma equipa de trabalho dedicada aos processos participativos. A abertura de um percurso de orçamento participativo era também imaginada como uma oportunidade de reavivar a relação entre a prefeitura e as suas seis freguesias, organizando, desde logo, um ciclo de sessões públicas de participação que tomassem em conta não apenas os limites administrativos, mas as assimetrias territoriais existentes. Por essas razões, Cascais passou por um longo processo de elaboração do próprio modelo do orçamento participativo, observando com atenção as experiências de outros municípios. O modelo cascalense optou pela elaboração de uma Carta de Princípios, ao formalizar o processo do ponto de vista normativo, com a criação de um regulamento municipal do orçamento participativo.
Vale a pena realçar também que razões políticas de não total convergência entre os membros do Executivo sobre o arranque do orçamento participativo influíram no atraso com que o processo de Cascais foi aprovado, tendo começado efetivamente a funcionar na primavera de 2011. A altura política mais oportuna para o arranque do orçamento participativo coincidiu com a saída antecipada do prefeito António Capucho, em finais de 2010, alegando razões pessoais, e a sua substituição pelo então vice-prefeito Carlos Carreiras, que vinha sendo o maior apoiante da introdução do orçamento participativo em Cascais.
Assim, a proposta organizacional do orçamento participativo de Cascais nasce de forma bastante diferenciada, assumindo como elemento diferenciador o facto de só permitir a apresentação de propostas no âmbito de assembleias presenciais (chamadas sessões públicas de participação), embora a votação final para a escolha dos projetos vencedores permaneça aberta a todos os cidadãos interessados e que possuem qualquer tipo de vínculo com o território de Cascais. No caso de Cascais, destacamos os slogans que lograram sucesso: “Eu tenho uma ideia para Cascais. Eu participo!” ou “Eu voto. Cascais ganha”, seguidos pelo convite “Contribua com as suas ideias” (Allegretti et al, 2016).
Organizing, Supporting, and Funding Entities
A cidade de Cascais promoveu o OP. A montante inicial em 2010 era 2.5 milhoes, in 2015 foi mais de 4 milhoes.
Participant Recruitment and Selection
O processo e aberto a toda polulacao.
Propostas formuladas apenas em sessões públicas de participação presenciais. Resultam aproximadamente 45 propostas que vão para apreciação técnica por parte dos serviços municipais. Os encontros eram compostos por sessões participativas com base territorial, em que os cidadãos apresentam, discutem, fundem e excluem propostas, reduzindo-as a um número máximo de cinco por cada sessão pública de participação. A partir de 2012, os cidadãos proponentes são sempre contactados para participar na análise técnica quando as propostas em apreço oferecem dúvidas ou correm o risco de serem eliminadas pelos serviços municipais.
Os participantes podem votar apenas por SMS, e cada votante único pode exprimir apenas um voto. No OP de Cascais, existia um regulamento municipal, elaborado pela prefeitura e aprovado pela Câmara Municipal. Houve maior envolvimento dos proponentes na realização dos projetos, bem como na sua monitorização e trabalho com grupos de cidadãos sobre o detalhamento do processo. O modelo cascalense era centrado na “concertação” das propostas, com maior consensualização e papel central do cidadão foi diagnosticado em cada fase do ciclo.
Methods and Tools Used
Orçamento Pariticipativo prevalentemente face to face com o voto via sms.
Deliberation, Decisions, and Public Interaction
Em Cascais, o ciclo do orçamento participativo de 2012 funcionou em quatro fases: a primeira protagonizada por eventos públicos; a segunda realizada principalmente em back-office (protagonizada primariamente por funcionários da autarquia); a terceira aberta à participação dos cidadãos para votação das prioridades; e a quarta principalmente protagonizada por funcionários e atores políticos que harmonizam os resultados do processo com a agenda administrativa das previsões financeiras, e avaliam o funcionamento do orçamento participativo para a introdução de eventuais alterações na edição seguinte. As quatro fases em Cascais funcionaram em quatro momentos, quais sejam:
1) Houve um período de aproximadamente um mês (10 de abril a 5 de maio), no qual a prefeitura organizou nove assembleias territoriais, com o objectivo de assegurar debates de proximidade como os cidadãos, independentemente das divisões formais das seis freguesias. Por assembleia, cada participante podia apresentar uma proposta, devendo esta ser necessariamente debatida e negociada em conjunto com as propostas das outras pessoas. No final de cada assembleia, apenas as cinco propostas consideradas prioritárias por todos os participantes poderiam passar à fase seguinte.
2) Depois, houve um período de cerca de dois meses (junho e julho) dedicado à “análise técnica” das propostas vencedoras nas nove assembleias. O objectivo desta fase é avaliar a viabilidade de cada ideia à luz dos critérios estipulados e publicamente divulgados antes do arranque do processo. Existe, neste âmbito, a possibilidade de fusão entre propostas similares ou geograficamente próximas, mas apenas se tal resultar de um consenso entre os participantes, devendo, por isso, estes ser envolvidos diretamente na análise de viabilidade dos projetos. Este trabalho foi seguido, em setembro, por um período de consulta pública, de dez dias, para os cidadãos apresentarem reclamações relativamente ao resultado na análise efetuada pelo corpo técnico da Prefeitura, e para os serviços municipais reavaliarem os projetos que foram objeto de queixas, com a introdução de eventuais reformulações deles.
3) Um período de um mês (20 de setembro a 20 de outubro) foi dedicado à votação, por meio de SMS gratuito, dos projetos que passaram à fase de análise técnica. Foi realizada uma negociação com as três maiores companhias de telefones móveis e atribuído um código a cada projeto. Cada número telefônico apenas poderia votar uma única vez, sendo automaticamente bloqueado pelo sistema das três companhias depois do envio de um comprovativo de “recepção do voto”, que continha um link para um questionário on-line de satisfação dos participantes.
4) A última fase (que tomou forma desde o início de novembro até à abertura do ciclo do orçamento participativo, em 2013) consistiu em uma cerimônia pública de apresentação dos resultados, seguida da inclusão oficial dos projetos vencedores na lista das opções a financiar no plano de atividades e no orçamento municipal, e por um processo de avaliação do ciclo anual do orçamento participativo.
O ciclo participativo cascalense inserido em modelos de orçamento participativo de âmbito “codecisório” em 2012, contou com uma quota de EUR 2,5 milhões, e foi desenvolvido em “núcleos focais urbanos” com características históricas, paisagísticas e sociais específicas dos tecidos sociais de Cascais. Nesta ocasião, decidiram abrir o orçamento participativo à participação de pessoas não residentes, pois contemplaram o fenômeno das migrações pendulares. O facto de Cascais só permitir a apresentação de propostas em assembleias presenciais foi fator-chave para reduzir o risco de serem submetidas as que não correspondem às necessidades do território.
As metodologias utilizadas no orçamento participativo de Cascais desenham uma tipologia de processo participativo novo para Portugal, centrado na “concertação e na negociação” entre os participantes, ao longo das fases públicas do processo, e nas quais os cidadãos permanecem sempre no centro do percurso de seleção, afunilamento e fusão das propostas, sem o risco de imaginar que o direcionamento dos projetos a serem votados na fase final seja de alguma forma “orientado” pelos políticos ou pelos funcionários dos serviços municipais.
Em Cascais, não está igualmente previsto qualquer papel ativo dos cidadãos na reorganização anual do processo e das suas regras, mas estes participam no afunilamento e na filtragem das propostas, acompanham a avaliação técnica, decidem sobre a eventual fusão das propostas, e mantêm uma postura ativa na execução dos projetos aprovados, bem como na sua monitorização e gestão. (Allegretti et al, 2016)
Influence, Outcomes, and Effects
O OP de Cascais entre 2011 e 2012 revelou forte enraizamento nas comunidades locais e sua ligação com o aumento da qualidade de vida no municipio. Contribuiu decisivamente para a seleção de projetos centrados na promoção da qualidade de vida. Foi realizado numa arquitectura que reduz a dispersão dos votos para as propostas cidadãs e reforça o grau de satisfação e a legitimidade do dispositivo participativo. Deste modo, divulgou o número de participantes nas sessões, bem como informou, detalhadamente, tanto sobre as obras já concluídas quanto sobre as que estão em atraso, dando maior transparência e credibilidade ao proceso do OP.
Cascais tem enfrentado os primeiros três anos de orçamento participativo de forma diferente, tentando envolver os habitantes quer na reformulação das propostas não totalmente exequíveis, quer no detalhamento dos projetos das obras aprovadas. A experiência de Cascais tem posto mais empenho em um “diálogo de proximidade” que não coloque os serviços administrativos em uma posição “defensiva” frente aos protestos dos habitantes sobre atrasos ou detalhamento dos projetos não conforme as suas expetativas.
Em outubro de 2013, dos doze projetos aprovados na votação de 2011, oito estavam terminados e inaugurados e quatro encontravam-se em fase avançada de execução. O grau de confiança e grau de satisfação aparecem como satisfatórios em Cascais, o que ajuda a consolidar uma maior legitimidade do próprio instrumento de gestão representado pelo orçamento participativo cascalense. No modelo empregado, existem espaços públicos em que o número das propostas é filtrado por decisão exclusiva dos participantes, a saber: o cidadão é cada vez mais um dos protagonistas nesse proceso (Allegretti et al, 2016).
Analysis and Lessons Learned
Ao investigar o contexto específico do OP em Cascais, tratamos de: “compreender melhor os fenômenos da política nas sociedades contemporâneas, reconhecendo que nem todos os movimentos e associações estão dispostos a participar dos espaços institucionais de partilha do poder” (Pereira, 2012, p. 84). O advento das TIC’s simultaneamente à difusão da internet permitiu tanto a comunicação direta entre os indivíduos, quanto a distribuição da informação de forma multidirecional e horizontal. É relevante, por isso, repensar o processo de funcionamento do poder político frente às constantes transformações expostas pela globalização no século XXI, reconhecendo que os indivíduos, por não confiarem nas tradicionais formas de fazer política, não se sentem representados politicamente pelo atual quadro institucional (Barbosa, 2016). Resultado: os índices de participação nas eleições de países com mais longa tradição democrática vêm declinando nas últimas décadas, assim como as filiações às principais instituições representativas (Castro; Reis, 2012). E talvez experiencia cascalense tenha o potencial para motivar novos atores a participarem da vida pública.
Mouffe (2015) observa que um dos grandes desafios da democracia no século XXI é “não poder se limitar a estabelecer uma solução conciliatória entre interesses ou valores ou a deliberar acerca do bem comum; ela precisa apoiar-se concretamente nos desejos e fantasias do povo” (Mouffe, 2015, p. 6). Mais ainda: se, nas democracias liberais contemporâneas, percebemos o acúmulo de uma quantidade irrestrita de demandas que não podem ser canalizadas via mecanismos institucionais, as decisões políticas cada vez mais são realizadas em espaços que estão fora do controle dos cidadãos. Sendo assim, no lugar de uma confrontação de ideias e projetos, estamos presenciando o esfacelamento do regime representativo das democracias liberais aliado a um crescimento contínuo de descontentamento da população em relação ao mundo político.
A partir desse questionamento, percebe-se a formação de uma lacuna na capacidade comunicativa entre o Estado e os cidadãos. De um lado, o poder político continua em uma esfera local; de outro, os cidadãos acumulam não só uma insatisfação generalizada justificada pela separação entre governantes e governados, como também demonstram pouca vontade de se engajarem em um sistema político carente de “ferramentas comunicacionais” comuns ao cotidiano dele.
Percebemos, então, um “descompasso” entre uma sociedade civil que pleiteia por repostas rápidas e eficientes, ao mesmo tempo em que os canais da participação política sinalizam não acompanhar essas demandas requeridas. Há, assim, uma série de lacunas quanto à compreensão dos valores que orientam e embasam as ações dos atores no campo político e também acerca das formas de sua socialização nas experiências dos OPs. Neste caso em específico, clamamos por estudos futuros que considerem percepções de situações sociais objetivas podendo passar por impressões e avaliações subjetivas acerca da participação dos atores no caso de Cascais.
See Also
Participatory Budgeting
References
ALLEGRETTI, G.; DIAS, Nelson & ANTUNES, Sofia. Transformar o território promovendo a cidadania: metodologia em evolução nos orçamentos participativos de Lisboa e Cascais. Boletim Regional, Urbano e Ambiental, IPEA, 2016.
ALLEGRETTI, G. Participatory budgeting and social justice: implications of some cases in Spain and Italy. In: TRAUB-MERZ, R.; SINTOMER, Y.; ZHANG, J. (Eds.). Participatory budgeting in Asia and Europe key challenges of participation. Basingstoke: Pagrave-McMillan, 2013.
BARBOSA, Sérgio (2016). É possível a internet alavancar novos canais de participação política? Revista Controversias y Concurrencias Latinoamericanas, v. 8, n. 13, junio, pp. 44-58.
CASTRO, Henrique Carlos de Oliveira de & REIS, Fernanda Teixeira (2012). Participação política no Brasil no século XXI: mudanças e continuidades. Teoria & Pesquisa Revista de Ciência Política, vol. 21, n. 2, pp. 20-33, jul. /dez.
MOUFFE, Chantal (2015) Sobre o político. São Paulo: Martins Fontes.
PEREIRA, Marcos Abílio (2012). Movimentos sociais e democracia: a tensão necessária. Revista Opinião Pública, vol. 18, n° 1, Junho, pp. 68-87.
SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, B. S. (Org.). Democratizar a democracia. Porto: Afrontamento, 2003.
External Links
https://www.cascais.pt/area/orcamento-participativo-0
Notes
Lead image: "Assembleia de Debate do Orçamento Participativo de Cascais" Ideias à Moda do Porto https://goo.gl/3D5Na4
Secondary image: "Orçamento Participativo de Cascais 2013" Ideias à Moda do Porto https://goo.gl/BXtEW7