Consulta pública realizada pela Secretaria de Educação da Prefeitura de Mogi das Cruzes, município no interior de São Paulo (Brasil), entre janeiro e fevereiro de 2021, sobre o retorno das aulas presenciais nas escolas - que estavam suspensas devido a pandemia de Convid-19.
Resumo
Este estudo de caso analisa uma consulta pública realizada pela Secretaria de Educação da Prefeitura de Mogi das Cruzes, município no interior de São Paulo (Brasil), entre janeiro e fevereiro de 2021. A nova gestão da Prefeitura, empossada em 01 de janeiro de 2021, consultou a população sobre o retorno das aulas presenciais nas escolas - que estavam suspensas desde março de 2020. As informações aqui apresentadas foram coletadas no site da Prefeitura de Mogi das Cruzes e em uma entrevista semi-estruturada realizada com o então secretário interino de Educação, em abril de 2021.
Problemas e propósitos
A pandemia do covid-19 instaurou um cenário inédito globalmente. No Brasil, a ausência de coordenação federal sobre condutas de enfrentamento à pandemia fez com que governos subnacionais tivessem que assumir o protagonismo de decisões importantes. Uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), em abril de 2020, conferiu autonomia para governadores e prefeitos instituírem medidas contra a pandemia, como regras de isolamento e quarentena, restrição de transportes e circulação em rodovias. As decisões sobre fechamento e reabertura de escolas se encaixam nessa categoria.
No estado de São Paulo, o Governo Estadual estabeleceu o Plano São Paulo, que definia critérios e cronogramas para o fechamento e reabertura de diferentes setores - sendo as escolas um deles. No entanto, o plano indicava estas fases como sugestões de reabertura, com autonomia para cada município deliberar sobre o retorno das escolas municipais e particulares de seu território.
Diante da dificuldade de tomar essa decisão, que envolvia aspectos educacionais, sociais, econômicos e sanitários, e cujos desdobramentos poderiam ser impopulares para a gestão, a Secretaria de Educação da Prefeitura de Mogi das Cruzes decidiu abrir uma consulta pública para entender qual a percepção da população sobre a reabertura das escolas. Além disso, a consulta identificava quais as medidas consideradas essenciais pelos cidadãos para a garantia da segurança sanitária.
A Prefeitura tinha preocupações em relação à repercussão que a reabertura das escolas poderia ter com os cidadãos. Sendo assim a consulta pública foi elaborada para o diagnóstico mas também enquanto estratégia da Prefeitura de criar confiança pública.
Histórico e entidades organizadoras
Com a determinação das primeiras medidas de combate à pandemia do coronavírus, as atividades escolares presenciais foram suspensas em Mogi das Cruzes em março de 2020. Em julho de 2020, a Prefeitura de Mogi das Cruzes realizou uma consulta pública e identificou que mais de 90% dos participantes eram contrários ao retorno presencial deste setor.
A partir deste diagnóstico, a Prefeitura concentrou-se em aprimorar o ensino remoto e garantir a entrega de materiais e merenda escolar, e em contrapartida não priorizou o reparo das escolas para um eventual retorno presencial. Em 2021, a nova gestão que assumiu a Prefeitura tinha uma opinião favorável ao retorno presencial das atividades escolares, mesmo antes de que houvesse vacina para todos os envolvidos, e queriam iniciar o processo de adequação das escolas. Portanto, realizaram a consulta pública para avaliar se a percepção da população havia se alterado, e buscar embasamento para iniciar a adequação das escolas para receber os alunos.
No início, houve resistência por parte de alguns atores da Prefeitura, que temiam que a consulta não tivesse engajamento, ou então que a opinião da população permanecesse majoritariamente contrária ao retorno presencial - e, com isso, instauraria-se um clima político que impediria que a Prefeitura pudesse iniciar as ações já planejadas para o retorno presencial, sobretudo o mencionado processo de adequação das escolas.
Após o convencimento de atores como o gabinete da prefeitura, o prefeito e o vice-prefeito, a Secretaria de Educação iniciou o processo de elaboração e implementação da consulta pública, ainda no primeiro mês da gestão.
Seleção de participantes e ferramentas usadas
O método de seleção de participantes da consulta pública era aberto, o que quer dizer que qualquer cidadão do município poderia participar. No entanto, a divulgação foi concentrada em pessoas da comunidade escolar, como os pais e responsáveis pelos alunos, professores e demais profissionais da educação. No questionário, haviam perguntas para identificar qual era o perfil do participante, de acordo com estas categorias.
Além disso, os participantes foram identificados de acordo com o bairro em que viviam e o ciclo educacional a que estavam conectados, quando membros da comunidade escolar (Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio). O objetivo de ter essas informações sobre os participantes era possibilitar que as análises sobre o grau de interesse no retorno das atividades presenciais pudessem ser analisadas de acordo com cada perfil.
A consulta pública foi realizada de maneira exclusivamente digital, em um formulário disponível no site da Secretaria Municipal de Educação e em um aplicativo por eles desenvolvido. A divulgação foi feita através das redes sociais da Secretaria Municipal da Educação e do prefeito, além de notícias na imprensa. Os participantes precisavam informar o CPF para participar, e assim a Secretaria podia garantir que não haveria mais de uma resposta por pessoa.
O que passou: processo, interação e participação
A consulta pública ficou disponível durante o período de uma semana. Tratava-se de um questionário, digital, que cada participante respondia individualmente. As consultas públicas normalmente seguem este modelo, em que não há interação entre os participantes - entrando em conflito, por vezes, com as premissas da teoria deliberativa. No entanto, configuram um mecanismo válido de participação social.
Esta consulta não tinha caráter de tomada de decisão - as participações dos cidadãos seriam consideradas na decisão do poder público. Sendo assim, ela cumpria uma função de diagnóstico do problema e das possibilidades de solução, além de servir como um método de fato consultivo para o governo.
Influência, resultados e efeitos
Durante o período da consulta pública, mais de 20 mil pessoas chegaram a participar. O resultado foi equilibrado, e a Secretaria identificou percepções diferentes em cada bairro e em cada ciclo da educação. Os resultados permitiram compreender que havia um maior desejo pelo retorno presencial das atividades de ensino médio, e essa proporção ia diminuindo até chegar nas creches, em que mais da metade das famílias ainda era contra o retorno presencial. A leitura realizada pela Secretaria de Educação é que isso acontecia porque havia uma preocupação maior com a capacidade das crianças de manterem o distanciamento social e o uso das máscaras.
Os resultados da consulta pública foram consolidados em um painel de tomada de decisão, para o uso do poder público, e em dois relatórios, um interno e outro externo. O relatório externo, que foi entregue aos cidadãos, destacou a distribuição de respostas em cada pergunta, com suas porcentagens, e a base de resultados foi mantida em sigilo para entrar em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Já o relatório interno inclui, além destas informações, um destaque sobre como o processo de consulta pública abria a possibilidade para o aumento da confiança da população nas decisões tomadas pelos gestores públicos.
A Secretaria de Educação já tinha o objetivo de utilizar as contribuições para embasar o plano de retomada das atividades presenciais, e isso foi feito. Mesmo que não tenham obtido uma maioria expressiva a favor do retorno presencial, os dados indicaram uma maior abertura do que a identificada na consulta pública realizada pela gestão anterior em 2020, e foi possível planejar um retorno seguro, com a adesão da população.
Em termos de ação governamental, a Prefeitura não reabriu as escolas imediatamente após essa consulta porque, de acordo com o então secretário de Educação, o momento da pandemia não permitiu. De fato, os primeiros meses de 2021 foram marcados pela fase mais letal da pandemia no Brasil. No entanto, o indicativo de que a população desejava um retorno presencial das escolas fez com que a gestão se organizasse para adaptar as escolas e estabelecer o plano de retomada, que foi implementado assim que permitido de acordo com os indicadores epidemiológicos e com o Plano São Paulo.
Análise e lições aprendidas
O secretário de Educação afirma que o principal aprendizado foi que é possível fazer um processo amplo de participação da população para embasar um processo de decisão do poder público. No entanto, o secretário destaca que ficou evidente que há uma população que a Prefeitura não consegue alcançar, sobretudo através das iniciativas digitais e que pretendem ser realizadas de maneira tão rápida.
Embora as ferramentas digitais tenham possibilitado a consulta pública em um momento de distanciamento social, é importante destacar que a exclusão digital, que diz respeito às pessoas que não têm acesso facilitado à Internet, foi apontada pelo secretário como um fator crítico e que deve ser corrigido em futuras ações da Prefeitura. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2020, a população brasileira com acesso à Internet é de 81%, mas apenas 37% utilizaram serviços públicos digitais em 2020. Processos exclusivamente digitais não são apenas inacessíveis a uma parte considerável da população, mas também podem contribuir para a exclusão social e política desses grupos.
Ver também
Referências
Links externos
https://portal.sme-mogidascruzes.sp.gov.br/noticias/consulta-publica-sobre-retorno-da
s-aulas-presenciais-sera-de-18-a-21-de-janeiro
https://www.portalnews.com.br/_conteudo/2021/01/cidades/134633-51-dos-pais-sao-f
avoraveis-ao-retorno-as-aulas-segundo-consulta-publica.html
Notas
Primeira versão 13/07/2022 por Luiza Brunetti Silva Jardim